As oportunidades do dia a dia: indignação durante o interclasses

por Escola da Vila 

Um grupo de meninos de 6º ano está na sala de orientação. Muitas emoções presentes: a maior parte parece indignada, alguns falam alto, outros num tom mais baixo. Há também aqueles que só escutam, num papel que mistura o de acompanhantes, que estão ali para dar apoio, e o de curiosos, que querem saber em primeira mão os próximos capítulos.

A origem da exaltação de alguns é o jogo de futebol do interclasses que tinha acabado minutos antes, na hora do intervalo. Os jogadores do time perdedor buscaram a orientadora para questionar o resultado do jogo. Segundo eles, o resultado era injusto, afinal, o time deles tinha jogado com apenas 5 pessoas (todas em campo), enquanto o oponente pôde rodiziar os jogadores – já que tinha 9 no total. Também argumentaram que um dos juízes, um colega de outra turma, estava favorecendo o outro time e que, portanto, o jogo deveria ser desconsiderado.

De fundo, os organizadores do interclasses observam a cena, tentando ter notícias do desenrolar da conversa. Os estudantes da turma vencedora comemoram com parte da torcida.

Sabemos que a escola é um importante espaço socializador e sabemos da importância da convivência para a formação moral dos sujeitos. Na Escola da Vila, temos como objetivo formar cidadãos críticos, que sejam capazes de reconhecer a complexidade de diferentes contextos e que ajam para transformar a realidade. Contudo, ter uma meta ambiciosa e um espaço cheio de jovens não garante em nada o desenvolvimento das habilidades sociais, da empatia, do respeito mútuo, a capacidade de reconhecer diferentes pontos de vista ou mesmo o avanço das noções de justiça. Para isto, é preciso planejamento, mediação e acompanhamento. É preciso ação e reflexão.

Desenvolver-se moralmente é um investimento muito árduo, não é uma conquista que se dá apenas ao envelhecer, nem numa mera troca entre pares. É preciso agir; pensar sobre o agir; pensar sobre os valores que fundamentam as ações; fazer escolhas; rever escolhas, e mais, muito mais… É um processo desconfortável, que envolve dúvida, frustração, contato com emoções nem sempre prazerosas. A nós, adultos e adultas na escola (e em casa), cabe muitas vezes ajudar a sustentar o incômodo, sabendo que é ponto de partida para poder seguir com esse processo – que acontece em sala de aula, mas também ganha vida em outros espaços e se enriquece conforme amplia-se a diversidade de experiências vividas.

É a partir de vivências como a relatada, que os estudantes conseguem, com o apoio de um mediador ou uma mediadora, ampliar sua capacidade de dialogar – e dialogar não é tarefa simples, não é apenas conseguir se colocar; existe uma outra pessoa que também precisa ser considerada. Diferentemente do que, com frequência, esperam nossas e nossos jovens aos seus 11 ou 12 anos, num diálogo, não se busca o consenso, não se convence o outro do que se pensa ou se é convencido por ele: é necessário justificar suas ações e expressar seus sentimentos e, ao mesmo tempo, escutar o outro, do lugar do outro, para construir juntos um ponto de encontro e saídas possíveis para seus conflitos. E isto nem sempre acontece como esperamos.

Os estudantes dos 6ºs anos, por exemplo, estão se fazendo perguntas importantíssimas sobre o interclasses:

É justo um time ter reserva e outros não?

É justo mudar os times depois de o interclasses já ter começado?

E se alguém quiser jogar e não tiver time? Fica de fora?

Mudamos os times por causa de uma pessoa?

A torcida pode vaiar, como fazem nos estádios?

Quase não tem meninas nos times, isto é problema nosso?

Um jogador ficou doente, temos que mudar os dias dos jogos? Mesmo se for vantajoso para o meu time?

Ouvi colegas dizendo que vão jogar “pesado” contra um time. E agora?

A torcida está falando coisas para desestabilizar o goleiro. Isto vale?

Para que a discussão avance, o interlocutor precisa ir lançando perguntas que ajudem os envolvidos a pensarem: “existe uma regra prévia sobre ter jogador reserva? Quem criou a regra? Alguém discordou dela previamente? É justo? Não é justo? É sobre justiça o incômodo de vocês?”.

Numa outra proposta educacional, sob o argumento de que cuidar desses encaminhamentos ocuparia tempo demais, poderiam ser oferecidas respostas prontas a essas perguntas. Ou, talvez, muitas delas nem surgiriam. E é verdade: os alunos e alunas da comissão e as turmas de 6ºs anos dedicaram algum tempo nos últimos dois meses para conversar sobre as questões do interclasses.

A discussão avança quando é preciso ouvir quem discorda: diante de quem pensa diferente, torna-se necessário justificar sua posição. A partir do questionamento de quem media, os alunos e as alunas vão se dando conta dos valores por trás de suas ações e também reconhecendo os princípios que regem o convívio. No fim, precisam responder às questões: “Campeonato escolar é igual à Copa do Mundo? Os objetivos são os mesmos? O que nos motiva aqui na escola?” para, assim, conseguirem voltar para cada uma das questões levantadas e, juntos, pensarem em possíveis soluções.

Assim seguimos diariamente, de forma que, no meio de tudo isto, entre bolas, traves e tabelas, sigam ecoando perguntas essenciais para o desenvolvimento moral desses jovens, tais como: “Quem queremos ser?” e “Em que mundo queremos viver?”. 

Por Natália Contarelli, Orientação do Ciclo 3, e Roberta Tinoco, Orientação Educacional do Ciclo 4

 

(Imagem: matimix/iStock.com.br)

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