
por Francisco Carbonari – Secretário Executivo da Abepar
Nos últimos anos, cresce nas escolas brasileiras a pressão de famílias para acelerar os estudos de crianças pequenas, sob o argumento de que seriam superdotadas ou portadoras de altas habilidades. Essas demandas, geralmente, chegam acompanhadas de testes de Q.I., tratados como verdades absolutas. As informações trazidas para justificar o avanço escolar, na maioria das vezes, não consideram a criança em sua totalidade, deixando de fora aspectos fundamentais como maturidade emocional, socialização, capacidade de lidar com frustrações, autonomia e interesse genuíno pelos desafios escolares.
A legislação educacional prevê atenção diferenciada a estudantes com altas habilidades, incluindo a possibilidade de aceleração. No entanto, isso tem sido frequentemente interpretado como autorização para antecipar etapas escolares sem a devida cautela. O equívoco se intensifica na Educação Infantil, onde a aceleração é desaconselhada pelo Ministério da Educação, que orienta priorizar o enriquecimento pedagógico, a ampliação de experiências e a flexibilização das propostas, em vez do avanço precoce de etapas.
A sociedade atual, obcecada por performance, produtividade e resultados, hiperestimulada e cheia de recursos digitais, gera crianças que aprendem a ler cedo, memorizam informações rapidamente e demonstram curiosidade acima da média. Nesse sentido, é tentador projetar expectativas irreais sobre essas crianças. Mas isso não basta para classificá-las como superdotadas nem para justificar que pulem etapas essenciais do desenvolvimento. A infância tem seu próprio ritmo. Confundir precocidade acadêmica com altas habilidades tornou-se um dos erros recorrentes e prejudiciais.
A escola, que acompanha a criança no cotidiano, deveria ser a instância mais adequada para avaliar suas necessidades reais. Se ela tiver um bom projeto pedagógico, é capaz de observar muito além do desempenho acadêmico: pode ver a forma como a criança convive, lida com frustrações, se expressa, constrói vínculos e amadurece. Quando o olhar integral é ignorado, a aceleração pode se transformar em um fardo. Crianças mais novas enfrentam dificuldades de convivência com colegas mais velhos, sentem a pressão de corresponder ao rótulo de “diferente” e podem desenvolver ansiedade, insegurança e perda de interesse pelos estudos.
A melhor resposta às altas habilidades é o enriquecimento curricular, não a pressa. Projetos desafiadores, atividades diferenciadas e estímulos culturais ajudam a expandir o potencial da criança sem atropelar etapas formativas.
Encurtar a infância não é oferecer vantagem. É privar a criança de vivências que moldam sua identidade, sua confiança e seu futuro. Em educação, avançar rápido nem sempre significa avançar melhor — e, muitas vezes, significa simplesmente avançar mal.
Francisco Carbonari é professor de Filosofia. Foi Secretário Municipal da Educação em Jundiaí (SP), Secretário-Adjunto do Estado e Presidente do Conselho Estadual de Educação. É Secretário Executivo da Abepar.
