por Colégio Oswald de Andrade
Não é de hoje que se discute o regime de virtualidades. Também não é de hoje a superação das rusgas entre virtual e real, pois já é apaziguado que o virtual é real. Tudo que vivemos atualmente nas telas é real – o computador, a tela, os sons, as pessoas ali materializadas. Porém, transportar aquilo que não era virtual para o virtual pode carregar uma série de ruídos.
Pierre Levy tratava desta questão no século passado e citava que “quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se tornam ‘não-presentes’, se desterritorializam. Uma espécie de desengate os separa do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio e do calendário (Lévy, 1996, p.21)”.
Ele tratava do assunto a partir de um referencial midiático completamente diferente da nossa relação atual com a imagem e com a portabilidade de vivências imagéticas-sonoras. Imagine que ele estava discutindo isso em um momento em que os celulares não tinham internet, não tinham telas sensíveis ou de alta definição, no qual para ver um filme precisávamos fazer um deslocamento físico até uma locadora para escolher o que ver, e as músicas ainda precisavam de mídias físicas para serem ouvidas. O que temos ali na tela é real, mas readequar, em tempo real, o que possuía outro regime de materialidade é extremamente complicado.
Essa transição é complicada e sem muitas receitas, mas talvez para a Arte em si e sua difusão, quase que circunscrita ao registro virtual, é um desafio de grande complexidade e com ferramentas que talvez ainda não foram exploradas, pela própria natureza de diversas expressões artísticas. Foi neste contexto que criamos uma agenda de apresentações reais dentro da virtualidade – a Turista Aprendiz.
Ter uma agenda é fundamental. Existe um sentido mais popular para a palavra agenda que é o de “registro de compromissos e tarefas”, mas a origem da palavra vem do latim agere que significa agir. Sendo assim, uma agenda é mais que um registro de intenções com compromissos, mas um manifesto pessoal de compromisso com a ação, com o realizar. Precisamos ter agendas e essas agendas apontam para o presente e tentam apontar para o futuro, mesmo incerto, da cultura.
A agenda nasceria no começo do ano, quando o foco seria cruzar os projetos pedagógicos do Oswald de Andrade com a agenda cultural da cidade. Mas as relações com eventos culturais e suas manifestações físicas foram implodidas – desde o fim do ano passado em parte do mundo e, no Brasil, logo depois do nosso maior evento de manifestação popular e coletiva: o Carnaval.
A agenda, Turista aprendiz – a agenda (do) Cultural, foi assim chamada por Rodrigo Grasso, assistente de coordenação do Cultural, e é uma homenagem a Mário de Andrade, que publicou um livro chamado O Turista Aprendiz, em que ele criou um diário da vivência cultural que ele passara, em 1929, com o intérprete de coco Chico Antônio. Nós desejávamos que a agenda fosse um instrumento que possibilitasse a elaboração de uma galeria pessoal de vivências, sejam elas expográficas, interativas, expositivas, tendo a cidade como vetor de materialização e a ação dos turistas, de forma individual ou coletiva, como responsáveis pela materialização destas pequenas concretudes compartilhadas por artistas, produtores culturais, cozinheiros, cantoras, contadores de histórias ou fazer parte de uma observação de uma nascente de água que brota na cidade. Mas, hoje, esse é um desejo imaturo, pois precisamos atender o mais importante – prover um caminho mais ativo para famílias, docentes e alunos, por meio de práticas que os artistas generosamente buscam compartilhar com os espectadores.
Uma agenda cultural é um ser capcioso. Primeiro, parte de um conceito desgastado, tristonho e genérico: o que é cultura? Longe de nós, do Departamento de Projetos e Produção do Oswald, querer dizer aqui o que seria cultural ou não. A Agenda é um mapa cartográfico de possibilidades – permite a conexão de um conjunto de pessoas com lugares, espaços e momentos, criando uma determinada vivência. O final é um mapa afetivo de conhecimentos gerados por desconfortos planejados, mediados pela coletividade, envolvidos na vivência, podendo gerar uma experiência. Parece fácil, mas está longe de ser. Essa agenda não quer ensinar porquês, mesmo sendo uma agenda cultural escolar, mas quer compartilhar uma série de porquês de outras pessoas, que gentilmente dedicaram seus comos, para fazer o quês para todos nós.
Desejávamos fazer uma agenda que valorizasse o circuito não normativo de atividades culturais, valorizando conhecimentos do bairro, da cidade e dos deslocamentos; uma agenda que valorizaria as diversidades, debates sobre sustentabilidade e relações humanas; sobre direitos na urbe e da coletividade, procurando abarcar uma variedade de temas e vivências que tratem de espetáculos teatrais, musicais, gastronômicos e cinematográficos também; que ative os pequenos locais de trocas culturais (casas de culturas, galerias e espaços colaborativos de trocas) e espaços mais tradicionais, já que mesmo com boas estruturas a cultura precisa potencializar todas as possibilidades de conversão de público. Mas isso não ocorreu…
O que ocorreu foi o desmantelamento dos equipamentos culturais vigentes e uma busca por outra ordem que não aquela que existia até o Carnaval. É um desafio quase que diário, pois estamos na busca por aprender novas ferramentas e essas ferramentas estão ainda aprendendo com a interação dos seus usuários. É uma gigante quantidade de informações que recebemos/produzimos e alimentamos uma montanha de novos dados.
Sabemos que nenhuma materialidade virtual vai superar a presença física, pois é na presença que muitas formas (artísticas) são concretizadas. Mas, neste exercício cotidiano — de fazer a agenda –, procuramos potencializar contações de histórias online, podcasts, espetáculos de dança gravados, visitas aos museus, audição de novas músicas, inúmeras plataformas de streamings e diversas lives. E é na live que reside o maior preconceito e também a maior desejo humano: compartilhar e saber que está virtualmente presente, interagindo com outras tantas pessoas. Sendo assim, essa agenda procura intermediar essa busca por interação e registrar o enorme esforço artístico em continuar a existir dentro de um território de fronteiras não conhecidas ou alienígenas para muitas formas artísticas que demandam a presença física.
Atualmente, temos muitos o quês e porquês, mas apenas um como. É preciso, porém, potencializar este como. Estamos fazendo, com novas ferramentas, novos conhecimentos, mais colaboração, capacitação e compartilhamento de competências; e assim vamos possibilitar o que é mais importante no Oswald – uma instituição que aprende, e de forma colaborativa.
Visite a Agenda Turista Aprendiz acessando o link.
Coordenação de Projetos e Produção Cultural
Marcel Hamed – coordenador
Paloma Soares – estagiária
Rodrigo Grasso – assistente de coordenação