Diversidade, visibilidade e reconhecimento importam. Identificação e indignação, também!

Por Escola da Vila

por Julia Narvai – Orientadora educacional de 1º a 4º ano na Vila das Infâncias.
Psicóloga, psicopedagoga, especialista em psicologia escolar e educacional e mestranda em psicologia escolar e do desenvolvimento humano.

Desde muito antes de sua abertura, a mídia brasileira já noticiava que as Olimpíadas de Paris seriam a de maior representatividade feminina. No total de atletas, houve exatamente a mesma quantidade de mulheres e homens,  e, no caso do Brasil, houve mais mulheres do que homens na delegação. Um marco e uma reparação para uma desigualdade histórica nas relações de gênero.

Quem acompanhou a abertura das Olimpíadas e as notícias sobre a abertura pôde notar os avanços do ponto de vista da representatividade de outros grupos identitários historicamente invisibilizados. Foram muitos: atletas e personalidades da música e das artes negros, negras, trans, drags e pessoas com deficiência física tendo destaque e holofote. Houve músicas cantadas em Libras. Ainda nas relações de gênero, teve a inauguração de 10 estátuas de mulheres francesas que fizeram história e que lutaram para mudar a história, como Olimpe de Gouges e outras mulheres feministas, a favor do aborto, do amor entre pessoas do mesmo gênero, num país que tinha menos de uma centena de estátuas de mulheres e quase 3 centenas de estátuas de homens. Dois atletas paralímpicos – um homem e uma mulher, ambos amputados – carregaram a tocha olímpica. Foi uma abertura coberta de simbolismos para a diminuição de desigualdades históricas. Esses são passos importantes! Temos muito o que comemorar! De simbolismos vive o humano!

Sim, mas em pleno 2024, as Olimpíadas começaram em 26 de julho e terminaram em 11 de agosto, enquanto as Paralimpíadas começaram em 28 de agosto e terminam no dia 8 de setembro. Temos dois eventos totalmente separados. Um quase 3 semanas depois do outro.

Durante os Jogos Olímpicos, vimos casais negros comemorando as vitórias de seus parceiros e parceiras, casais interraciais, casais de mulheres com mulheres e de homens com homens, mas onde estavam as pessoas com deficiência? Não estavam nos jogos e certamente não havia muitas assistindo aos Jogos Olímpicos. A Paralimpíada é gerida pelo Comitê Paralímpico Internacional (CPI); enquanto a Olimpíada, pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), dois comitês distintos. A primeira edição dos Jogos Olímpicos foi em 1896. Os Jogos Paralímpicos começaram em 1960, 76 anos depois. Os dois eventos só passaram a usar as mesmas estruturas esportivas quase um século depois, em 1988. Os organizadores precisaram lançar uma campanha intitulada “O jogo não acabou” para que a desmobilização, em função do final das Olimpíadas, fosse combatida. O Brasil tem a maior delegação da história nestas Paralimpíadas, mas, acompanhando o noticiário, é possível observar que tanto aqui quanto em Paris, a agitação que tomou conta das ruas e dos canais de comunicação, mídias e redes sociais durante as Olimpíadas não é a mesma para a Paralimpíada.

Não é essa a história de jogos segregados que queremos contar para as novas gerações. Claro que teremos que contar que um dia foi assim, mas esse dia já poderia estar no passado e continua no nosso presente e talvez no nosso futuro próximo. As próximas edições de 2028 e de 2032 devem continuar separadas. Por que não fazer um único evento? Por que continuar separando pessoas com deficiência do convívio de pessoas sem deficiência? Há argumentos sobre estrutura, preparação técnica para justificar o porquê de os eventos ainda ocorrerem de forma separada, inclusive um discurso de que as Paralimpíadas acontecem depois para que os erros possam acontecer nas Olimpíadas e haja tempo de serem corrigidos para as Paralimpíadas. Um dos argumentos afirma que muitas das cidades-sede não têm acessibilidade e que, entre um evento e o outro, as sedes são reconstruídas para garantir isso. A acessibilidade não deveria estar garantida já para as Olimpíadas? As Olimpíadas não deveriam deixar legados nos territórios onde acontecem? São discursos como este que, historicamente, foram utilizados para legitimar a discriminção institucional contra as pessoas com deficiência.

A italiana Beatriz Bebe Vio é uma das atletas que sonha com a unificação das competições:  “unificar todos os esportes, olímpico e paraolímpico, e garantir que competições importantes sejam disputadas simultaneamente (…) Isso exigirá um impulso cultural, uma mudança de mentalidade e muita energia, que virá principalmente das crianças”. Philip Craven, ex-atleta, foi presidente do Comitê Paralímpico e também defendeu a fusão dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos ainda que houvesse problemas de logística e prometeu não desistir dessa ideia em Londres (2012). Rodrigo Mendes, importante liderança do movimento PCD no Brasil, e tantas outras pessoas lutam para que a paralimpíada aconteça junto com a olimpíada.

Do ponto de vista ético e moral das relações humanas, do convívio e da riqueza que existe na diversidade, não há um argumento possível para sustentar a separação entre as Olimpíadas.

Como educadores – pais, mães, profissionais da área da educação -, o que podemos fazer a respeito desse cenário? Levá-lo para o nosso cotidiano, para as nossas conversas entre nós e com as crianças, lendo notícias, reportagens, vendo vídeos dos jogos, mostrando a diversidade de pessoas com deficiência nos jogos e falando com as crianças e adolescentes sobre a existência das Paralimpíadas e das Olimpíadas. Os Jogos Paralímpicos Paris 2024 estão sendo transmitidos através do canal de YouTube do Comitê Paralímpico Internacional (IPC). No Brasil, também há transmissão do canal pago Sportv 2.

Reconhecimento e visibilidade importam. Ainda que a Vila seja uma escola inclusiva e que, enquanto comunidade escolar, de tempos em tempos, o tema da diversidade humana surja de forma mais explícita através da vivência de pessoas com deficiência em nossas salas de aula, nas reuniões de famílias ou em casa, também é bom que as crianças e os adolescentes vejam pessoas com deficiência ganhando medalhas, competindo em nível internacional, perdendo, chorando ao comemorar uma conquista que foi suada e que possam também se identificar com os atletas paralímpicos da mesma forma como fizeram com os olímpicos. E se, em algum momento, eles também se indignarem com a separação entre as competições, saberemos que estamos indo pelo caminho certo. Assim como a atleta italiana, temos que sonhar que um dia essa realidade irá mudar.

A cerimônia de encerramento será no dia 8 de setembro. Se você ainda não falou e não viu nada sobre as paralimpíadas, ainda é tempo!

Abaixo algumas sugestões de notícias:

Somos Brasil Paralímpico!

Em dia histórico, Brasil vai quatro vezes ao pódio e chega às 400 medalhas em Jogos Paralímpicos

Paralimpíadas: tudo que você precisa saber sobre os Jogos de Paris e quais modalidades o Brasil vai disputar

O que você precisa saber sobre os Jogos Paralímpicos

Seleção de natação faz primeiro treino em Paris antes das Paralimpíadas 2024

Seleção brasileira vai a Paris para ampliar hegemonia no futebol de cegos

Desde próteses até cadeiras de rodas, tudo é consertado na Vila Paralímpica

Jogos Paralímpicos: Brasil terá a maior delegação da história em eventos internacionais

Abaixo algumas referências:

Paris tenta manter entusiasmo olímpico durante Paralimpíada: ‘O jogo não acabou’

Cerimônia de abertura de Paris 2024 homenageia mulheres que marcaram história da França.

Movimento defende a realização simultânea de Olimpíada e Paralimpíada | Agência Brasil

‘Blade Jumper’ revive ideia de unificação de Jogos Olímpicos e Paralímpicos – 05/09/2021

Assista abaixo ao vídeo – Somos Brasil Paralímpico! – Somos garra, força e determinação. Somos o Brasil Paralímpico! Acompanhe a gente nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024.

 

 

 

 

 

Rolar para cima