Onde Vigotski encontra com o ChatGPT?

por Escola da Vila

Ferramentas de inteligência artificial (IA), especialmente o Chat GPT, são algumas novidades que têm movimentado os mais variados campos de atuação humana – inclusive a educação -, causando certa estranheza nos sistemas escolares.

Como era de se esperar, enquanto alguns rejeitam, outros acolhem.

Alguns educadores defendem que essas ferramentas permitem acrescentar (e muito!) ao espaço escolar, se pensarmos no modelo de educação que supera a simples memorização e aplicação limitada do conhecimento.

Pensando em propostas pedagógicas que estimulem a produção de conhecimento, a comunicação e a atuação na sociedade, o Chat GPT torna-se um grande aliado na elaboração de metodologias de investigações e experimentos, no desenvolvimento de sequências de ensino e aprendizagem para turmas mais novas, em campanhas sociais e ambientais, na elaboração de perguntas para entrevistas, entre muitas (e infinitas) possibilidades que vão se desenhando conforme entendemos as capacidades e limitações (será que existem?) dessa interação humano-ferramenta.

Considerando o desenho da escola tradicional, a calculadora e os buscadores (como o Google) são ferramentas que reduzem o sentido da própria escola. Já os sistemas escolares que tornaram mais complexas as suas propostas precisaram incorporar essas ferramentas, e o resultado aponta para uma formação mais atualizada e robusta de seus estudantes.

Hoje os estudantes são capazes de elaborar documentos compartilhados; trabalhar colaborativamente em projetos; elaborar apresentações para compartilhar resultados de trabalhos; realizar pesquisas mais ágeis e em diferentes bancos de dados, distinguindo as más e as boas fontes de consulta; organizar dados em planilhas; utilizar formulários para pesquisas com a comunidade, etc.

Mas e o Chat GPT?

Como vamos aprendendo, essa ferramenta não é apenas uma calculadora ou um buscador de informações. Os desafios são mais complexos.

Lev Vigotski defende que as ferramentas psicológicas (matemática, linguagem, representações artísticas, conceitos científicos), assim como as ferramentas concretas (lápis, caderno, lousa), são os meios que o ser humano utiliza para acessar o mundo físico e social. As nossas ações não podem ser analisadas sem considerarmos esse par “ser humano-ferramenta”.

A analogia clássica é a evolução do salto em altura nas Olimpíadas. Competição após competição, os atletas atingem uma altura maior. Há mudanças significativas quando o instrumento – a vara – é aperfeiçoada e ocorre um desenvolvimento da relação atleta-instrumento.

Talvez a grande preocupação seja a inteligência artificial não fazer parte do nosso conjunto habitual de ferramentas e que, de alguma forma, a relação humano-ferramenta esteja desbalanceada para a capacidade da ferramenta. É como se, agora, a vara de salto não precisasse do desenvolvimento do atleta. Como se a vara pudesse arremessar o atleta por cima do obstáculo, independente do seu desenvolvimento.

Segundo ainda Vigotski, a linguagem não é a expressão do pensamento, ela é, também, pensamento.

O ser humano estrutura seu conhecimento a partir da internalização das estruturas de pensamento do plano social. Argumentação, raciocínio lógico, contagem, solidariedade, respeito, por exemplo, não são estruturas que nascem com o ser humano.

Vivemos em uma cultura que se desenvolveu historicamente e que é apropriada pelo indivíduo quando ele se envolve em práticas sociais, ou seja, se operar essas ferramentas psicológicas nas variadas práticas humanas, por exemplo, brincar, resolver problemas, apreciar, colaborar, etc.

A IA é capaz de operar – bem ou mal – essas operações, que são da cultura humana. No uso da ferramenta, o ser humano não atua conjuntamente em uma série de operações que buscamos que sejam desenvolvidas em plano individual.

A calculadora não é estimulada em diversos momentos da escolaridade, e isso não acontece à toa. E também é compreensível que o Chat GPT não seja. Afinal, tudo depende da intencionalidade pedagógica.

E as infinitas perguntas continuarão brotando e nos desafiando:

Como inserir a inteligência artificial na sala de aula sem prejudicar o desenvolvimento humano?

Como desenvolver metodologias em que a relação humano-IA desenvolva-se dialeticamente?

Isso é possível, considerando que a ferramenta permite uma produção tão autônoma em relação à operação humana?

 

(Imagem: shironosov/Stock.com.br)

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