Por Escola da Vila
por Adriana Miritello Terahata – Professora do 3º ano do Fundamental (Ciclo 2)
A escola é uma verdadeira usina de sentidos, sentidos de vida (ética) e de convivência (moral), e não há outra instituição social de quem se possa dizer o mesmo.
(Yves de La Taille)
No final do primeiro semestre, a Vila das Infâncias realizou uma Assembleia de escola envolvendo crianças dos Ciclos 2 e 3, e deu tudo certo! Chamou atenção a postura e envolvimento de todas as crianças. De um lado, estudantes mais velhos, comprometidos com a responsabilidade de transmitir suas ideias e encaminhamentos; e de outro, os mais novos, atentos, respeitosos em suas posturas e também trazendo suas contribuições. Foi possível observar a importância da proposta para a construção de responsabilidade pelo ambiente coletivo e o diálogo, como valor central.
O que foi preciso, então, para que “desse tudo certo?” O “era uma vez” desta história ou da construção de uma possível resposta começa muito, mas muito antes deste encontro envolvendo toda a escola.
Segundo Hannah Arendt (1983), para se constituir um espaço público (coletivo), se faz necessário os sujeitos individuais, para convencer, influenciar, opinar e criar acordos em prol de alguma coisa comum. O que constitui uma comunidade são esses acordos, as convenções que se estabelecem, e que podem contribuir para outros e novos acordos se estabelecerem.
Refletindo sobre o ambiente escolar, as Assembleias são, deste modo, a possibilidade de estabelecer regras, tomar decisões comuns que regulam o estar juntos e, com isso, trazem uma valorosa contribuição para uma formação cidadã. Para ser de fato uma comunidade de aprendizagens, é necessário que a escola instaure um ambiente participativo, de protagonismo real das crianças. Um espaço no qual as relações e aprendizagens de valores éticos e morais se concretizem, de fato, nas ações do dia a dia, além de promover práticas em que as inter-relações se estabeleçam de forma respeitosa e empática.
As Assembleias se constituem como um tempo/espaço privilegiado para aprender a estar com os outros de modo dialógico, porque é no e pelo diálogo que as relações nas assembleias devem se dar. Ao mesmo tempo que ensina-se a aprende-se a conviver, a participação nas assembleias é uma possibilidade de aprendizagem sobre as maneiras de dialogar, que implica não apenas um estar com os outros para saber das coisas ou para conseguir alguma coisa, mas como uma revelação da subjetividade de cada envolvido.
Acreditamos que garantir espaço para a prática das assembleias é proporcionar e oferecer a possibilidade para que as crianças possam desenvolver valores éticos e morais sendo protagonista desse processo. E é dessa maneira que elas contribuem para uma experiência de educação moral insubstituível, pois, permite que as crianças se comprometam e assumam responsabilidades na dinâmica coletiva.
De acordo com Araújo e Puig (2007), as assembleias escolares atendem essa perspectiva uma vez que permitem, em sua prática, colocar em jogo tanto os aspectos subjetivos de conhecimento de si e do outro, quanto aspectos sociais (princípios e valores éticos) de reconhecimento do coletivo. É um movimento dialético em que os indivíduos e o coletivo vão se constituindo.
Pautada nessas referências, é importante considerar que, para realizar uma Assembleia envolvendo toda a escola, é preciso realizá-la de modo organizado e sistemático, também nas salas de aula. De acordo com os autores Xus Martín García e Josep Maria Puig (2010), as Assembleias de Classe acontecem para otimizar o trabalho e a convivência entre alunos e professores de uma forma organizada institucionalmente, em que todos possam falar sobre temas variados e que sejam interessantes ao grupo.
Na Escola da Vila, desde os anos iniciais da escolarização, as crianças participam de rodas de conversa e práticas dialógicas nas quais a participação e a implicação de todos são fundamentais. No entanto, as Assembleias são instituídas no 2° ano do Ciclo 2, com um status diferenciado, marcando os rituais de crescimento ano a ano.
Para iniciar o trabalho com assembleia no 2° ano, estudantes mais experientes, do Ciclo 3, são convidados para apresentar e relatar suas experiências com essa prática. Isso porque entendemos que esses estudantes vivenciaram ao longo de todo o Ensino Fundamental 1 essa experiência e, portanto, podem compartilhar o que aprenderam nesta trajetória.
“Como a assembleia é feita? Tem alguma organização especial?
O que a gente conversa?”
Essas são algumas das questões feitas pelas crianças do 2° ano para que os mais velhos ajudem com informações relevantes para a implementação e organização da assembleia de classe. As famílias também são convidadas a compartilhar suas experiências com assembleias por meio de entrevistas feitas pelas crianças com elas.
Outro aspecto fundamental para cuidar no processo de implementação é a discussão sobre o que é assunto a ser tratado nas assembleias. É importante evidenciar que a assembleia é um lugar de decisão sobre assuntos comuns, de questões que se referem a todos, em que todos podem se expressar em prol de um coletivo.
Em relação a esse aspecto, as crianças evidenciam a distinção entre assuntos que devem ser discutidos individualmente ou entre alguns e aqueles que interessam a todos e, portanto, podem virar pauta das assembleias:
- “Se alguém me machuca ou eu machuco algum amigo, eu vou junto com a professora resolver isso, não é assunto da assembleia.”
- “Tem coisa que acontece na sala e atrapalha todo mundo, isso a gente pode discutir na assembleia para poder resolver.”
A partir do exposto, essas falas nos remeteram a um importante ensinamento de Paulo Freire (1987:78)
“A existência porque humana não pode ser muda, silenciosa, nem tão pouco nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir humanamente é pronunciar constantemente o mundo, é modificá-lo.”
Deste modo, a partir do relato dos mais experientes e da delimitação do que é assunto a ser tratado nas assembleias, marcamos a primeira Assembleia de Classe. No mural, colocamos os cartazes para que sejam registrados os assuntos que são pertinentes para este grupo-classe.
Com isso, compreendemos que o “querer falar das questões de sala de aula” e poder partilhá-las não poderiam se dar em qualquer relação, mas sim em uma relação de confiança em que a criança tem a certeza de que poderá falar e será ouvida. Segundo Freire (1980), para que o diálogo seja uma opção é necessário que se estabeleça uma relação de simpatia e reciprocidade.
Nota-se que o diálogo toma um lugar de valor significativo a partir das reflexões feitas e que, como princípio ético, assume um papel preponderante nas relações interpessoais para um ambiente favorável ao ensino e aprendizagem.
Retomando a questão inicial: o que foi preciso para que a Assembleia Escolar desse certo? A resposta está na importância dada à implementação sistemática de uma cultura participativa. Assuntos referentes à construção da moralidade não se restringem às aulas de Orientação Educacional, elas estão presentes na atmosfera do projeto pedagógico da Vila: na sala de aula, nas quadras, no parque, por meio das ações do professor, dos tutores, do coordenador e até do diretor!
No cotidiano da escola há uma constância: a preocupação em oferecer práticas democráticas que incentivem e estimulem a participação das crianças, e essas oportunidades são importantes para formação da personalidade moral, tanto na aquisição de valores quanto no desenvolvimento das capacidades para enfrentar os desafios do cotidiano. Segundo os autores Garcia e Puig (2010: 94) este fazer “é um modo de promover o senso de civilização entre os alunos e prepará-los para participar como cidadãos.”
Referências Bibliográficas
ARENDT, H. A condição humana. [tradução de Roberto Raposo; introdução de Celso Lafer]. – Rio de Janeiro, 1983.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. – 31 ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
GARCÍA X. M.; PUIG J.M. As sete competências básicas para educar em valores. [revisão técnica Valéria Amorim Arantes; tradução Óscar Curros]. – São Paulo: Summus, 2010.